LARISSA BIFI é escritora de contos e possui textos publicados em antologias especializadas. Aluna do 5o período de Letras/diurno, seu estilo tem a marca dos jovens escritores que buscam afirmar-se enquanto vozes singulares na contemporaneidade. Abaixo, uma narrativa da escritora:
A Loucura da Inocência
Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta anos. Era noite, a brisa suave entrava pela janela aberta. Quantos minutos seus olhos fitaram o vazio? Não soube dizer, apenas que ela ficou assim por um longo tempo, e eu não ousei interromper. Então, seus olhos azuis caíram repentinamente em mim, como se finalmente ela percebesse uma segunda pessoa em seu quarto. A boca delicada abriu algumas vezes, mas som algum saiu dela. Seus lábios converteram-se em um sorriso que logo se desfez.
- Obrigada por vir ao meu socorro.
- Parecia urgente, então vim o mais rápido que pude. O que houve? – eu perguntara ansiosa para saber o que se passara.
- O bebê não parava de chorar... Meu marido sempre envolto com seus negócios para cima e para baixo... Sempre tão sem tempo, para o bebê, para a casa, para mim... – ela deu um sorriso fraco, e pude perceber lágrimas nos cantos dos seus olhos.
- Entendo... – na falta do que dizer... Mas não, não entendia. Era apenas uma menina, como poderia entender os segredos que o coração de uma mulher guarda?
- Eu não sabia mais o que fazer – ela desabou a chorar.
Olhava para a jovem senhora, e o que eu poderia fazer? Naquele momento, todas as roupas que ela usava – os vestidos vermelhos, sempre cheios e insinuantes, a maquiagem, os chapéus enormes, o leque de plumas – de nada valiam. Eu via como ela era por dentro, uma mulher frágil que precisava de alguém ao seu lado. E esse alguém definitivamente não era o seu marido, que mais parecia uma marionete do que um homem feito.
- Sabe, eu não pertenço a este lugar – sua voz estava embargada, mas havia traços de uma força que eu nunca havia visto.
- Eu sei... – engoli em seco. Sabia? Mesmo? É, talvez soubesse, sentia o mesmo. Só não tinha coragem e idade o suficiente para fazer algo que realmente valesse à pena. Os olhos dela subitamente começaram a brilhar.
- Isso mesmo. Agora vai dar tudo certo! Eu sei, eu posso ver, posso sentir! – seus dedos longos e finos apertaram meu queixo, e seus doces lábios desceram sobre os meus mais uma vez.
Surpresa, eu aproveitei o beijo, ainda que estranho, e retribuí. Sentia seu coração pulsar rapidamente em seu peito. O que antes era algo cheio de paixão e ardor, dessa vez veio rápido e sem emoção, apenas o movimento mecânico dos lábios. Algo não se encaixava. Então ela se levantou, estava agitada demais para ficar parada, e olhou para o berço que havia no canto do quarto. Ainda sem entender sua súbita solução, perguntei:
- O que irá fazer, madame? – ela adorava que a chamasse assim, mas nesse dia nem prestou atenção ao detalhe.
- Eu já fiz. – sorriu orgulhosa.
- E o que quer que eu faça? – perguntei, ainda sem entender.
Então ela deslocou-se rapidamente pelo aposento, vindo parar aos meus pés, segurando-me com força pelas mangas do meu vestido, olhando em meus olhos, e implorando:
- Você me ama, não ama? – os olhos azuis ardiam, perfurando os meus.
Eu poderia ter mentido. Ter dito que não. Afastado-me dela. Tentado fugir, correr, gritar. Acabar com aquela ilusão, com aquele caso tolo que nunca levaria a lugar algum, senão à dor e ao arrependimento... Mas não o fiz.
- Mas é claro senhora, a amo de todo o meu coração, como jamais amei ninguém! – com todo o lirismo que minha alma me permitia naquela idade.
- Então dirá que estava aqui comigo. Em minha cama. – sorriu novamente.
Outra oportunidade me fora dada, para negar. Havia todo o futuro à minha frente, para quê estragá-lo com alguém que já estava na metade do caminho?
- Mas... Não posso... Irão matá-la! – e realmente não podia. Para a época, ainda mais sendo casada, era adultério, e punido com a morte pelo desgosto de ser com outra mulher.
- Antes feliz e morta, do que viva e amarga – E nas últimas palavras, pude sentir a amargura escorrendo pelos lábios vermelhos.
E com essas palavras, decidi o que faria.
- Como quiser, senhora – assenti.
Sentou-se ao meu lado, com uma excitação e uma felicidade tamanhas que era quase possível tocar! Seus lábios capturaram os meus novamente, e dessa vez lá estava a chama acesa novamente. As mãos habilidosas começaram a me despir, e os sussurros já chegavam aos meus ouvidos. Eu pertenci àquela mulher, como jamais pertencera. E não possuí somente o seu corpo, como outrora acontecia. Ela me dera seu coração, sua alma, eternizados na promessa que eu fizera naquela noite.
Ah se eu soubesse! O que hoje é tão claro em minha mente perturbada. O bebê que não teve a chance... O marido que a teve, mas não soube aproveitá-la... E ela, a doce senhora, tomada pela loucura, implorando pela chance que lhe fora negada desde o começo. Não teve escolha, não teve chance, e ainda assim, fez o seu próprio destino.
Durante os anos, nunca pude entender o que aquela conversa significou, ou o porquê fiz o que fiz. Mas hoje, já não sou mais atormentada pelos fantasmas do passado. E sei, que se me fosse dada uma segunda chance, após saber tudo o que sei hoje, eu não faria nada diferente.